h

O QUE O ESG TEM A NOS DIZER SOBRE ECOLOGIA JURÍDICA?

Por João Paulo Anderson

ESG é a sigla para “environmental, social, and corporate governance”, termo em inglês que, traduzido, significa “governança ambiental, social e corporativa”. No Brasil a sigla também aparece como ASG (Ambiental, Social e Governança).

Trata-se, num primeiro momento, de uma tradução mal realizada. A palavra governança, que na sigla em inglês é a ação para o meio ambiente, para o social e para o corporativo, na tradução brasileira aparece apenas como uma tarefa do setor corporativo.

Este é um problema de importação do conceito que merece consideração. Mas não é o objetivo da coluna. A preocupação é caminhar pelo conceito de governança, de meio ambiente e de ecologia, para ao final refletir sobre eco juridicidade.

Governança

O termo em inglês para governança, “governance”, foi criado a partir de debates, conduzidos principalmente pelo Banco Mundial, no início dos anos 1990. Em 92 a entidade lança o documento Governance and Development [governança e desenvolvimento]. Lá, conceitua governança como “o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo” e “a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”. Sendo assim, governança, num primeiro momento, estaria relacionada apenas com o Estado e com a sua maneira de gerar eficiência em suas ações e planos.

Vale lembrar que, no período, estamos passando por diversas modificações na economia mundial, com a fortificação de conceitos neoliberais que começam a ser pensados por conta das crises econômicas dos anos 1970.

Tal busca por eficiência e governança chega ao Brasil, principalmente, a partir do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. A reforma administrativa proposta durante o seu segundo mandato – conhecida como Plano Bresser – é um bom exemplo. Dentre outras soluções, ela colocou a eficiência como princípio da Administração Pública – Emenda Constitucional n. 19/98.

Mas logo os termos governança e eficiência saem da esfera pública e se esparramam para a privada. Governança passa a ser também uma metodologia de administração de empresas. Da mesma forma que a aplicação para os governos, a “governança corporativa” também tem como foco a melhora da eficiência. Melhor dizendo, o fazer mais com menos.

Sendo assim, seja por senso comum – a compreensão da palavra governança a partir do que se lê e escuta – seja por uma análise mais aprofundada do termo, o que temos é que a governança está: a) ligada com a eficiência e com o custo benefício; b) tem a ver com relacionamento com o fora e com o dentro das empresas e Estados; c) tanto se refere a governos como a corporações; e d) se relaciona com a imagem da empresa e do governo para que consiga acessos a recursos.

Meio ambiente

Já para refletir sobre o que é meio ambiente poderíamos buscar diversas ciências. Aqui, a escolha será recorrer ao que a Lei e a Doutrina Jurídica têm a nos dizer. Para a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981), meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3°).

Seria meio ambiente tudo aquilo que torna a vida possível. Mais do que elementos biológicos – terra, água, animais, plantas – também fazem parte do meio ambiente elementos químicos e físicos. Também o direito e as leis fazem parte do meio ambiente, pois regulam a vida dos humanos e de sua relação com a natureza e as coisas.

Desta forma o conceito de meio ambiente, didaticamente, passa a ser distinto em cinco aspectos: a) meio ambiente natural – aquele que engloba a natureza, aquilo que ainda não sofreu ação do homem. Pode-se dizer que se trata dum meio ambiente em sentido estrito – as plantas, os animais, a água; b) o meio ambiente artificial – aquele que engloba a ação do homem na natureza, como a construção de edificações. O Estatuto das Cidades é a norma brasileira que melhor exemplifica como funciona a proteção do meio ambiente artificial; c) meio ambiente cultural – que envolve elementos que possuem valor subjetivo relevante, como as danças, o folclore, a arqueologia e a história. É aqui que entraria também o direito; d) o meio ambiente do trabalho – que, dentro de uma sociedade de capitalismo de mercado, envolve a relação entre pessoas, empresas, dinheiro, saúde, por exemplo. A proteção do meio ambiente, inclusive o do trabalho, aparece na Constituição de 88 como atribuição do sistema de saúde (art. 200, VIII); e e) o Patrimônio Genético – este último se torna mais evidente com o avanço da ciência, e o avanço das pesquisas e trabalhos em genética. A proteção do patrimônio genético aparece na Constituição de 88 no art. 225, II.

Sendo assim, quando se fala de meio ambiente, é preciso compreender que ele envolve muito mais do que a proteção dos elementos naturais, mas está intrínseco em todos os aspectos que promovem a continuidade da vida, seja esta a vida humana ou não humana.

Ecologia

Falar de “lógica eco”, ou “ecologia”, neste contexto, é afastar-se da “egologia” – a lógica do indivíduo, da disputa, ou mesmo aquela que pensa a natureza separada da cultura. Não é apenas a proteção de áreas verdes e de animais que nos garante a vida, mas a proteção de todas as formas de relações entre pessoas e natureza. Nesta ideia, Giorgio Agamben é pontual quando afirma que “humanos reduzidos a sua pura existência biológica não são mais humanos, governo dos homens e governo das coisas coincidem”. Deleuze e Guattari e Bruno Latour apresentam, respectivamente, a ideia de que o conhecimento é um emaranhado de disciplinas, onde o orgânico (natural) e o inorgânico (cultural) se misturam e se complementam.

Já Malcom Ferdinand trata de apresentar uma dupla fratura colonial e ambiental. O autor critica o ambientalismo que não leva em consideração relações entre pessoas; bem como um anticolonialismo que não leva em consideração a relação entre pessoas e espaços.

A primeira grande fratura está relacionada com a ideia de que natureza e cultura estariam em lugares opostos de análise. Esta separação ocorre com o advento da sociedade moderna. Nela, com sua ciência, apresenta-se uma natureza que pode ser controlada e explicada pelo homem.

Assim como só existe um único Deus, e um único senhor representante deste Deus na terra – o Rei, e depois a democracia como a voz da verdade – só poderia existir uma única verdade científica. Esta homogeneização é apresentada por Ferdinand como Plantantionceno, em referência à plantation como a forma de exploração da terra colonizada. Assim como a plantation retira dos habitantes da terra colonizada a relação multicultural, a modernidade trata de unificar não só o que será plantado, mas o que será cultuado, e o que será a verdade universal. No lugar de um pluriverso, se apresenta um universo – um único verso, uma única verdade.

Por isso alguns autores apresentam que a Modernidade teria o seu início num ano específico – 1492, quando o homem “moderno” encontra o homem não europeu, que ele denomina de ser primitivo. Este encontro ocorre no Caribe, onde o Europeu encontra com povos de outras ciências e verdades. A própria palavra caribe designa selvagens e canibais, “uma entidade desprovida de razão cuja fiscalização por parte das colonizações europeias e de suas ciências faria emergir lucros econômicos e saberes objetivos”.

O Homem Europeu seria o responsável por controlar a natureza. Os habitantes originais do Caribe, e depois de toda a América, são considerados primitivos justamente porque mantêm uma relação de simbiose com a natureza, e não de controle. Eles têm nos animais e nas plantas companheiras e até mesmo elementos de religiosidade. É contra esta ideia que o homem europeu quer se colocar. Por isso, a Igreja Católica e a catequização foram tão importantes.

O ambientalismo criticado por Ferdinand é aquele que atua na proteção do meio ambiente, mas que deixa de lado a relação entre as pessoas e a ferida colonial que colocou pessoas acorrentadas em porões e que violentou e ainda violenta mulheres, negros e pobres, por exemplo. Este ambientalismo quer proteger “a casa que queima”, mas não se interessa nas relações que ocorrem dentro desta casa. Por outro lado, o autor também critica uma ação de movimentos sociais – como os movimentos negros, feministas e por outras causas – que não encaram o fator ambiental como necessário.

Voltando à pergunta do título

Podemos agora voltar à pergunta inicial. Porém, podemos reformulá-la para: “O que o conceito de governança ambiental, social e corporativa tem a nos dizer sobre ecologia?”. Ainda, é possível trazer outra leitura para a pergunta: “O que a sigla ESG tem a nos dizer sobre a ecologia?”.

O primeiro ponto que devemos levar em consideração é que a separação entre social, ambiental e corporativo é uma separação que traz pouco ganho para a ecologia. Isto porque se tratam de elementos interdependentes. Os louros em proteção de florestas e de ações sociais não podem mascarar como boa uma governança que não oferece gestão sobre as desigualdades sociais, de gênero e de vencimentos dentro de uma mesma empresa, por exemplo.

Por outro, o fato dos três elementos aparecerem em conjunto traz a ideia que, embora separados, eles têm sido levantados de maneira conjunta como uma boa forma de governança. Não se subentende que um dos fatores seja mais importante que os outros.

Por fim, a relação entre empresas e ESG muitas vezes é tida como vantajosa e lucrativa, e não como lógica de proteção da vida diante da tempestade que nos encontramos – crises de alimentos, crises econômicas, crises sanitárias, catástrofes ambientais, guerras. Ajuda a ideia de que convivemos com uma economia baseada prioritariamente em imagem e suposição de valores.

Como as moedas não têm qualquer rastreabilidade, o valor dos serviços e dos produtos está mais na imagem que eles geram ou na suposição de demanda e oferta do que no valor material que eles têm. Por isso, pipocam investigações de empresas e governos que maquiam suas ações em governança ambiental, social e corporativa para a valorização dentro dos mercados financeiros – fenômeno conhecido como greenwashing.

Navio-Mundo, uma ecologia jurídica

A continuidade da vida depende de uma nova consciência sobre as relações, que ultrapassa apenas a questão biológica. Ferdinand traz uma metáfora baseada no navio negreiro. O navio não deixa de ser negreiro se ainda possui em seu porão pessoas ou animais acorrentados, e em seu convés exploradores, ladrões e traficantes de pessoas. Neste cenário, as sociedades escravocratas continuam escravas, dependentes da escravidão – seja de pessoas, seja da natureza como um todo.

A luta pela vida, baseada na vontade de viver, “tendência originária de todos os seres humanos”, deve levar em consideração estes aspectos sociais. Não pode ser um navio negreiro; e nem uma arca de Noé, que coloca todos os seres como habitantes de um mesmo barco, mas sendo conduzidas por uma ciência e gestão de segregação e de homogeneização de espécies e pessoas.

A ecologia séria leva à necessidade de repensar nossa relação com os animais e outros seres como espécies companheiras; ainda, retomar uma conscientização de paz e horizontalidade, contrária a tese de guerra e de competição. Ao invés de agir em hierarquia e submissão, devemos pensar na ideia de “companheiros de bordo que habitam um Navio-Mundo.

A ideia de ecologia jurídica, então, está na mudança de consciência do bacharel em direito, advogados, juízes e Ministério Público. Como apontam Fritjof Capra e Ugo Mattei, é necessário “deixar de ver o mundo como uma máquina e passar a vê-lo como uma rede de comunidades ecológicas”. Assim, mais do que aprender e utilizar conceitos, eles clamam por “uma profunda mudança de paradigma no mundo jurídico, que levará, por sua vez, a uma nova ordem ecológica no direito humano”.

Isto se dá a partir de uma nova visão jurídica e institucional que reconsidere hierarquias e centralização de poder. Se queremos falar de uma sociedade em redes, devemos entender que, dentro dessas redes, o poder não mais parece legítimo se imposto de maneira hierárquica. Uma ecologia jurídica, por isso, estaria baseada na pluralidade jurídica e no pensar num direito que coloque o poder nas mãos da maioria das pessoas.

Compartilhe:

Mais Posts

Envie-nos uma mensagem